Regulação da comunicação em Portugal e movimentos sociais: Um estudo sobre a relação entre os meios de comunicação e o ativismo
Regulation of communication in Portugal and social movements: A study on the relationship between the media and the activism
Trindade, Ana Carolina
https://orcid.org/0000-0001-6214-9343
Universidade Estadual Paulista, Brasil
Kraus Luvizotto, Caroline
https://orcid.org/0000-0002-2132-4616
Universidade Estadual Paulista, Brasil
Año | Year: 2022
Volumen | Volume: 10
Número | Issue: 2
DOI: http://dx.doi.org/10.17502/mrcs.v10i2.581
Recibido | Received: 2-8-2022
Aceptado | Accepted: 4-10-2022
Primera página | First page: 335
Última página | Last page: 350
Os meios de comunicação, ou mídias e medias aqui tratados como sinônimo, possuem um papel importante na construção da opinião pública, uma vez que podem atribuir visibilidade aos fatos e descrevê-los a seu critério. O presente artigo tem como objetivo a reflexão sobre a atuação dos movimentos sociais e a sua relação com os meios de comunicação em Portugal, buscando identificar os mecanismos de participação e de visibilidade proporcionados aos ativistas pelo sistema midiático português. A metodologia utilizada é composta por uma pesquisa documental e bibliográfica, bem como de uma pesquisa qualitativa efetivada por um grupo focal com ativistas e cidadãos portugueses realizado na cidade de Lisboa em fevereiro de 2020, a fim de apurar suas experiências e percepções junto ao sistema midiático português. Os resultados do grupo focal sugerem que, apesar da existência da regulação da comunicação social em Portugal, os meios de comunicação não dão suporte ou espaço para os ativistas, prejudicando a visibilidade e a opinião pública sobre os movimentos sociais portugueses. Assim, conclui-se que a ausência de um espaço midiático para os ativistas e para os movimentos sociais resulta na alternativa de inserir demandas, agendas e mobilizações de cidadãos nas redes sociais digitais.
Palabras clave: ativismo, meios de comunicação, movimentos sociais, Portugal, regulação da comunicação,
The mass media or media here are treated as synonyms, and they have an important role in the construction of public opinion since they can attribute visibility to the facts and describe them at their discretion. This article aims to reflect on the performance of social movements and their relationship with the media in Portugal, seeking to identify the mechanisms of participation and visibility provided to activists by the Portuguese media system. The methodology used is composed of documentary and bibliographic research, as well as qualitative research carried out by a focus group of activists and Portuguese citizens carried out in the city of Lisbon in February 2020, tidy ascertain their experiences and perceptions of the media system. The results of the focus group suggest that despite the existence of media regulation in Portugal, the media do not provide support or space for activists, harming the visibility and public opinion about portuguese social movements. Thus, it is concluded that the absence of a media space for activists and social movements results in the alternative of inserting demands, agendas and mobilizations of citizens into digital social networks.
Key words: activism, mass media, social movements, Portugal, regulation of communication,
Trindade, A.C., e Luvizotto, C.K. (2022). Regulação da comunicação em Portugal e movimentos sociais: um estudo sobre a relação entre os meios de comunicação e o ativismo. methaodos.revista de ciencias sociales, 10(2): 335-350. http://dx.doi.org/10.17502/mrcs.v10i2.581
1. Introdução
O respaldo da regulação1 daRef11 Comunicação Social proposta na Constituição da República Portuguesa de 1976 faz com que Portugal desfrute de um sistema midiático estruturado e com legislações compatíveis com as orientações da União Europeia. Diante da importância de um cenário midiático de qualidade para a sociedade em geral, este estudo objetiva a reflexão sobre a atuação dos movimentos sociais e sua relação com os meios de comunicação, especificamente, de movimentos sociais em prol da habitação, de causas ambientais e de gênero em Portugal, buscando identificar os mecanismos de participação e de visibilidade proporcionados aos ativistas pelo sistema midiático português, a fim de responder: De que forma os meios de comunicação disponibilizam espaços para a participação de ativistas e de movimentos sociais?
A opinião pública pode ser construída através da atuação dos meios de comunicação ao atribuírem visibilidade aos fatos e descrevê-los a seu critério. Por essa razão, o sistema midiático de uma sociedade influencia na concepção simbólica, ideológica e política dos indivíduos, sendo representativa na mobilização ou desmobilização dos movimentos sociais e dos ativistas (Scherer-Warren, 2014)Ref21. Tal mídia é compreendida neste estudo como meios que podem promover a transformação na sociedade através do impacto gerado (Marcondes Filho, 2019)Ref14.
Em relação a comunicação on-line, aqui entendida como a utilização de redes sociais, da World Wide Web e de dispositivos móveis, Lima (2011)Ref11 se refere como um formato de mídia oriundo da revolução digital, possibilitando a criação e a divulgação de ações e propostas desvinculadas dos meios de comunicação hegemônicos2, concedendo espaço e voz a inúmeros sujeitos sociais. O uso das redes sociais digitais possibilita um espaço público híbrido, on-line e off-line, favorável às reivindicações, mobilizações e disseminação de informações sobre a atuação dos movimentos sociais (Castells, 2013)Ref2.
Para Luvizotto e Cunha (2020, p. 38)Ref12, o poder da mídia, maisntream ou on-line, tem a capacidade de “impor agendas, dificultar acessos, manipular, distorcer informações ou ainda, e, também, impulsionar, ou boicotar, movimentos sociais”. Sem o acesso à mídia, dificilmente os movimentos sociais conseguem alcançar um grande público e tornar públicas as suas demandas, o que restringe os seus objetivos e dificulta a participação, a pluralidade e a cidadania.
Diante desse contexto, integrantes da esfera pública política, os movimentos sociais comumente precisam se adequar à lógica da produção midiática (Cogo, 2004)Ref3. Isso pode ser observado, por exemplo, quando os movimentos sociais passam a considerar os critérios de notícia ou, então, quando organizam suas agendas de acordo com a repercussão na mídia ou com o espaço de visibilidade a ser alcançado. Dessa forma, “as modalidades de ação e intervenção de atores e movimentos sociais na sociedade passam, portanto, a constituir-se cada vez mais tensionadas pela exigência de um tipo de visibilidade pública atribuída pela lógica dos meios de comunicação [...]” (Cogo, 2004, p. 43)Ref3.
Isto posto, este artigo se inicia apresentando a metodologia, a trajetória histórica da regulação da comunicação social em Portugal, alguns aspectos sobre os movimentos sociais em Portugal, a relação entre cidadania, movimentos sociais e comunicação por se tratarem de temas abarcados durante a aplicação da metodologia de grupo focal. Na sequência, apresentam-se os resultados, as discussões e as considerações finais acerca dos movimentos sociais portugueses.
2. Metodologia
Além da realização de uma revisão teórica sobre a regulação da comunicação em Portugal e de aspectos relacionados aos movimentos sociais neste país, foi proposta a realização de um grupo focal baseado em Costa (2005)Ref4 para alcançar o objetivo desse estudo, o qual visa refletir sobre a atuação dos movimentos sociais e a sua relação com os meios de comunicação em Portugal, buscando identificar os mecanismos de participação e de visibilidade proporcionados aos ativistas pelo sistema midiático português.
Essa metodologia de pesquisa qualitativa ocorreu no dia 27 de fevereiro de 2020, às 16h30, na sala 217 da Universidade NOVA de Lisboa, no campus de Campolide. A sala foi previamente reservada pela pesquisadora com o apoio do Instituto de Comunicação da NOVA – ICNOVA3, bem como foi preparado um ambiente acolhedor, tranquilo e sem ruídos a fim de contribuir com o bom andamento da dinâmica, assim como é orientado por Costa (2005)Ref4. As cadeiras foram colocadas em formato de círculo e o gravador ficou posicionado no centro da roda de conversa.
O guião de questões foi redigido durante o mês de janeiro de 2020 e foram feitas algumas alterações até o dia em que a metodologia foi de fato aplicada, tendo em vista que Costa (2005, p. 184)Ref4julga a importância das perguntas serem curtas e “ordenadas das mais gerais para as mais específicas”. Costa (2005)Ref4 orienta também que os questionamentos estejam de acordo com a seguinte estrutura: as primeiras perguntas sejam amplas, as seguintes foquem no assunto a ser debatido e, ao final, apresentam-se as perguntas genéricas.
Os cidadãos portugueses para o grupo focal foram convidados de maneira aleatória pela pesquisadora Ana Carolina Trindade, a qual realizou aproximadamente vinte convites de modo presencial, em Lisboa, e online, através das redes sociais digitais. A amostra foi heterogênea e reuniu sete cidadãos no dia, local e horário marcado. O perfil dos participantes foi composto por ativistas e cidadãos comuns que possuíam diferentes idades e graus de escolaridade.
O estudo apresentou duas limitações relacionadas a aplicação dessa metodologia: a primeira corresponde ao fato de não ter conhecimento sobre onde convidar cidadãos portugueses dispostos a falar sobre a temática da atuação dos movimentos sociais e o uso que fazem dos meios de comunicação; e a segunda se refere ao impasse de marcar uma data, horário e local comum a todos os convidados que aceitaram o convite. Em contrapartida, acredita-se que a escolha da sala de aula dentro da Universidade tenha sido benéfica por ser um lugar de fácil acesso e aberto à sociedade. Apesar dessas limitações, segundo Costa (2005)Ref4, a metodologia foi aplicada com um número adequado de participantes e coletou dados importantes para as reflexões realizadas neste estudo.
3. Trajetória histórica da Regulação da Comunicação em Portugal
Para os propósitos deste estudo, considera-se a trajetória histórica da regulação da comunicação em Portugal a partir do final do século XIX, com a intenção de retomar os desdobramentos históricos até a instauração da democracia portuguesa. Estas informações são interessantes para que se possa entender o histórico dos meios de comunicação, da censura e das legislações vigentes no país estudado.
Inicialmente, o ano de 1890 trouxe um desafio para a imprensa portuguesa diante da censura dos meios e dos controles de conteúdo jornalístico. Profissionais foram presos e diversos periódicos foram suspensos e, os que restaram, foram proibidos de disseminar assuntos que não eram interessantes para a monarquia. Em “1907, atribuiu-se competência aos governadores civis para apreenderem e suspenderem jornais que atentassem contra a ordem ou segurança pública” (Carvalho et al., 2005, p. 35)Ref1. O governo autoritário de António de Oliveira Salazar permaneceu de 1933 até 1974 e, assim, a liberdade de imprensa foi extinta em 1936. Diante de medidas preventivas e demasiadamente repressivas para a sociedade, a liberdade de imprensa permaneceu restrita até o final desse governo.
A data de 25 de abril de 1974 demarca o término da ditadura, a extinção da censura após um longo período de tensões políticas, e exalta as ações promovidas pelo Movimento das Forças Armadas (MFA). Ocorreu, nessa data, a abertura das prisões para libertação dos presos políticos e o desmantelamento da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE). Em relação à comunicação, o Decreto-Lei n.º 281/74 instituído em junho, compõe uma comissão para controlar a imprensa, rádio, televisão e cinema do país. A época destaca um forte poder político que cria recursos reguladores para o setor da Comunicação Social (Santo, 2007)Ref20. A Constituição da República Portuguesa4 foi estruturada em seguida, em 1976, e recupera os direitos dos cidadãos, tornando-se um Estado de direito democrático. Entretanto, por ser relativamente recente, Santo (2007, p. 58)Ref20 afirma que “a independência dos meios de comunicação social assume um relevo constitucional”.
Costa e Silva et al. (2011)Ref5 afirmam que a regulação da comunicação em Portugal garante a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e os direitos individuais para os portugueses. De acordo com o artigo 40º da Constituição Portuguesa (Portugal, 2005)Ref17, Portugal dispõe do direito de antena que permite o acesso aos serviços públicos de rádio e televisão por organizações sociais e sindicais.
Para Costa e Silva et al. (2011)Ref5, a regulação dos meios de comunicação social objetiva a defesa dos interesses públicos da sociedade, e a disponibilização de meios de comunicação para atender e reduzir a exclusão social. Em relação a cidadania, nota-se um espaço reduzido no campo das regulações e o abarcamento apenas do direito de resposta na legislação portuguesa. Dessarte, “no campo da cidadania e da participação, há ainda muito terreno para desbravar em Portugal, sendo que a educação para os media e a capacitação dos cidadãos é o desafio que poderá cumprir o desígnio de uma regulação mais participada” (Costa e Silva et al., 2011, p. 93)Ref5.
Santo (2007)Ref20 afirma que o funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS), prevista na Lei nº 15/90 de 5 de junho, assegurava poderes, direitos e regras. Em seguida, a AACS foi alterada perante a Lei n° 43/98, a qual foi inserida em um patamar onde possuía poderes efetivos, gerando suspeitas sobre a sua competência pelo fato de provocar dúvidas sobre à “sua independência face ao poder político” (Santo, 2007, p. 59)Ref20. Diante da carência de recursos, organizações e diversas contestações, a AACS foi substituída pela atual Entidade Reguladora para Comunicação Social – ERC (Costa e Silva et al., 2011)Ref5.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) foi criada no dia 8 de novembro de 2005 com base na lei nº 53/2005. Nesse documento, afirma-se que a ERC possui autonomia administrativa e financeira (Estatutos da ERC, 2005)Ref9. A sede da entidade5 estáRef19 localizada na região central de Lisboa, e é responsável por cumprir o que está inserido na Constituição, na lei e nos Estatutos da entidade. Esse órgão administrativo independente na sociedade portuguesa exerce um papel de destaque na organização de entidades reguladoras.
Destacam-se, como exemplos de entidades reguladoras para a comunicação social, a Autoridade Nacional das Comunicações (ANACOM) com o objetivo de regular as comunicações eletrônicas e postais, possibilitar o acesso à rede, promover a oferta de serviços, proteger os direitos e interesses dos cidadãos. A Autoridade da Concorrência (AdC) visa oferecer o acompanhamento das regras da concorrência, e assegurar o interesse dos cidadãos diante da prestação de informações transparentes sobre as práticas exercidas. Em relação ao extinto Gabinete para os Meios de Comunicação Social (GMCS) que atuou até 2015, este objetivava a criação, implementação e avaliação de políticas públicas midiáticas (Sousa y Lameiras, 2013)Ref23. Essas entidades cooperam com a busca da regulação midiática no atual cenário português.
As intervenções praticadas pela ERC podem ser aplicadas em entidades que atuam nas atividades relacionadas à comunicação social como agências noticiosas, grupos que desempenham atividades em publicações periódicas, operadores de rádio e televisão que difundam conteúdos, pessoas que transmitam serviços de programas de rádio ou televisão, bem como pessoas que promovam conteúdos editoriais regulares ao público (Estatutos da ERC, 2005)Ref9. Todas essas ações estão sujeitas à intervenção da ERC.
Os Estatutos da ERC (2005, p. 15)Ref9 elencam seis objetivos da regulação da comunicação social, os quais envolvem a(o): promoção do pluralismo cultural e da diversidade de expressão; difusão de conteúdos por entidades e acesso livre dos destinatários das mensagens com transparência; proteção dos menores de idade em relação ao conteúdo que é exposto; zelo com o fornecimento de informações por parte de prestadores de serviços jornalísticos; atenção com informações inseridas em comunicações eletrônicas com a intenção de proteger os destinatários em casos de violações das leis sobre publicidade; e, por fim, “assegurar a proteção dos direitos de personalidade individuais”. Tais formas de regulação são importantes e vão ao encontro de questões levantadas pelos movimentos sociais, facilitando a atuação como a pluralidade cultural, diversidade de expressão, proteção de direitos individuais, entre outros.
As principais atribuições da ERC, além do cumprimento das normas reguladoras das atividades de comunicação social, correspondem: ao livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa; a inexistência da concentração de titularidade das entidades de comunicação social para que exista pluralidade e diversidade no país, a independência política e econômica das entidades que exerçam atividade de comunicação social, o direito de antena, de resposta e de réplica (Estatutos da ERC, 2005)Ref9. A seguir, demonstra-se um panorama contemporâneo sobre os movimentos sociais portugueses.
4. Movimentos sociais em Portugal
Inicialmente, faz-se necessário apresentar a definição de movimentos sociais que baliza este estudo. Movimentos sociais são ações coletivas, fontes de inovação, produtores de conhecimento e saberes, dotados de caráter democrático e cidadão, que possuem um projeto de sociedade (Luvizotto, 2017Ref13; Scherer-Warren, 2014Ref21; Gohn, 2010Ref10). Objetivam transformar a realidade social e são protagonizados por diferentes sujeitos que se articulam em torno de direitos sociais modernos, questões culturais e identitárias, sendo voltados para políticas públicas, mas, também, para a vida cotidiana (Volpato et al., 2019)Ref26.
De acordo com Della Porta (2020, p. 04)Ref7, “diante das evidentes insuficiências do Estado e, mais ainda, do mercado, as organizações dos movimentos sociais são constituídas em grupos de apoio mútuo, promovendo ações sociais diretas, ajudando os mais carentes”, produzindo, assim, resistência e vínculos de solidariedade, sendo essenciais para a manutenção da democracia. Historicamente, os movimentos sociais possuem períodos de maior ou menor atuação e são influenciados demasiadamente pelos acontecimentos políticos e sociais de cada sociedade, como é o caso dos movimentos sociais contemporâneos em Portugal.
Os impactos ocasionados pelo 25 de abril de 1974 refletem na participação político-social dos cidadãos portugueses até os dias de hoje. Simões e Campos (2016)Ref22 destacam a Geração à Rasca, movimento social ocorrido em meados de 2011, que trouxe jovens cidadãos às manifestações que fizeram uso massivo de ferramentas digitais. Esse episódio desencadeou uma série de acontecimentos que tinham como objetivo intensificar a participação política da população nos assuntos significativos ao país. “Marchas, assembleias e ocupação de espaços públicos” são ações advindas dessa fase dos movimentos portugueses (Simões y Campos, 2016, p. 132)Ref22.
Os autores afirmam que os jovens ganharam notoriedade nas ações dos movimentos sociais portugueses contemporâneos e caracterizam os movimentos sociais e ações ativistas em geral da seguinte forma: 1. Novos movimentos sociais antiausteridade: atuações orgânicas e sem hierarquia que visam ser “contra as medidas de austeridade implementadas peloRef23 governo”6; 2. Movimentos alterglobalização: precursor dos novos movimentos antiausteridade e, por isso, atua em prol de reivindicações contra o capitalismo neoliberal e são a favor das causas dos movimentos antiausteridade; 3. Movimentos sociais clássicos: práticas que visam causas culturais e identitárias; 4. Movimentos radicais: posicionamento inverso ao sistema dominante; 5. Movimentos diretamente ligados ao ativismo digital: utilização de ferramentas digitais como recurso principal; 6. Atores políticos tradicionais: também conhecidos como partidos políticos e sindicatos. Perante o exposto, “esses mantêm uma relação de ambivalência e cumplicidade com alguns movimentos ativistas, desde logo porque vários dos membros de coletivos ativistas têm uma trajetória marcada pela ligação a algum partido político” (Simões y Campos, 2016, p. 136)Ref22.
Segundo Viegas, Belchior e Seiceira. (2011)Ref25, a participação política é um termo utilizado para designar o funcionamento da democracia em prol dos interesses dos cidadãos na sociedade. A participação pode ser efetivada através de atividades exercidas pelos cidadãos que passam a influenciar as decisões do governo ou de governantes. Os autores afirmam que a participação política em Portugal, muitas vezes, não ocupa o tempo e nem alcança esforços intensos dos cidadãos, pois o sentimento de ineficácia, rejeição ou alienação por parte deles ainda é maior do que o sentimento de confiança nessa prática.
Em Portugal, especificamente, a sociedade demonstra uma ruptura na cultura nacional após a queda do regime autoritário e com o início do regime democrático. Sobretudo, “a tradição autoritária e repressiva da participação, nomeadamente de protesto, durante as décadas de vigência do Estado Novo também poderão contribuir para a cultura política de fraca participação política” (Viegas, Belchior e Seiceira, 2011, p. 26)Ref25. Assim, o país estudado apresenta um nível baixo de participação se comparado aos países do centro e do norte europeu (Viegas, Belchior e Seiceira, 2011)Ref25.
5. A relação entre cidadania, movimentos sociais e comunicação
A relação entre comunicação e cidadania pode ser investigada por inúmeras abordagens (Cogo, 2004Ref3; Peruzzo, 2015Ref16). Em um cenário de profundas transformações para as democracias liberais, os limites e desafios da participação parecem ser os temas mais visíveis da discussão pública. Dahlgren (2009)Ref6 aponta que os valores e procedimentos democráticos são permeados por valores econômicos e a arena da participação política efetiva é frequentemente restrita, principalmente no que concerne ao acesso à informação e ao acesso aos meios de comunicação. Entretanto, as transformações trazidas pela digitalização da mídia têm afetado profundamente não apenas as formas de estruturação da mídia como um sistema produtivo, mas também a atuação dos sujeitos sociais, com destaque para as ações coletivas, a exemplo dos movimentos sociais.
De acordo com Peruzzo (2015, p. 40)Ref16, os movimentos sociais se ocupam da “criação de táticas capazes de despertar o interesse da imprensa, que vão da preparação de quem concede entrevistas à geração de fatos marcantes e imagens que indicam valor de n6tícia”. Apesar disso, é preciso considerar que essas ações, mesmo concedendo certa visibilidade na mídia, estão sujeitas às suas normas. Peruzzo (2015)Ref17 também afirma que a representação e a ação dos movimentos sociais e de ativistas é, frequentemente, tendenciosa, distorcida pelos meios de comunicação e com vistas à criminalização. Esse cenário é agravado de acordo com a configuração do sistema midiático de cada país. No caso do Brasil, por exemplo, a configuração da mídia brasileira se apresenta como um obstáculo para a atuação de movimentos sociais, pois o esquema de concessões públicas que condiciona a maioria dos canais de rádio e televisão à lógica do mercado, dificulta a aproximação dos movimentos sociais e dos meios de comunicação de massa (Volpato et al., 2019)Ref26. Um outro ponto a ser destacado sobre o Brasil corresponde ao pouco conhecimento da população sobre as escassas legislações sobre a temática da comunicação, pois “noções como direitos, cidadania e até mesmo democracia passam por disputas de sentido, que não se referem apenas a uma questão retórica, mas impactam no modo como a política é exercida” (Stevanim, 2017, p. 33)Ref24.
Neste sentido, além de ações voltadas para visibilidade na mídia tradicional, é fundamental que os movimentos sociais e os ativistas desenvolvam alternativas de comunicação por meio de canais próprios para se relacionar diretamente com a sociedade e seus públicos. Entre os meios de comunicação, sugere-se que a internet seja um dos meios mais democráticos, uma vez que sua estrutura possibilita a articulação dos atores sociais de modo inter e correlacionado (Castells, 2013Ref2; Gohn, 2010Ref10; Luvizotto y Cunha, 2020Ref12; Scherer-Warren, 2014Ref21). Essa ferramenta possibilita uma “vasta quantidade de informações e conhecimentos disponíveis na internet, acessíveis de forma rápida e fácil por meio de mecanismos de busca e hyperlinks” (Weiss, 2019, p. 208)Ref27. Entretanto, sua estrutura em rede não a impede de refletir toda a tensão, os conflitos, a disputa de poder, as resistências e preconceitos, que também são reproduzidos e reforçados pelos meios tradicionais de comunicação.
6. Resultados
A partir da contextualização teórica apresentada, o guião de questões foi elaborado com dez perguntas curtas, “ordenadas das mais gerais para as mais específicas”, respeitando o limite de seis a dez participantes por dinâmica, seguindo as orientações de Costa (2005, p. 184)Ref4.
Costa (2005)Ref4 sugere que o grupo focal seja documentado para facilitar a transcrição e a análise de dados. Neste sentido, procedeu-se a gravação de toda atividade, para posterior transcrição, bem como foi redigido um termo de consentimento e entregue para todos os participantes para as devidas assinaturas.
O grupo focal foi composto por sete cidadãos portugueses com participação em movimentos sociais ou ao menos com conhecimento sobre a temática. As características dos participantes estão apresentadas na Tabela 1.
O grupo focal foi transcrito e organizado da seguinte maneira: as questões foram separadas de 1 a 10, seguindo a orientação de Costa (2005)Ref4 de ter até doze questões; as respostas de cada participante foram separadas e organizadas em tabelas para que fosse possível destacar a temática abordada por cada um. A Tabela 2 demonstra o panorama geral do grupo focal. Os participantes/respondentes são identificados com a letra R e com números. As questões/temas para debate são identificadas com a letra T e numeradas de acordo com a sua ordem.

Nota-se, na Tabela 2, que R2 esteve ativo em todos os dez temas, seguido de R3 em oito, R1, R5 e R7 em seis, e, por fim, R4 e R6 responderam cinco temas. Observa-se, também, que a participação nos primeiros temas foi maior se comparada com a participação ao final do grupo focal, que obteve apenas três respostas dos participantes:

As respostas apresentadas a seguir, para cada um dos dez temas propostos para discussão, utiliza as expressões e a linguagem dos participantes. Em função da quantidade de respostas de cada participante, optou-se por apresentar o destaque de cada fala em tabelas e na sequência, de modo resumido, a fala geral do participante/respondente.
O primeiro tema para discussão abordou o momento histórico do 25 de abril de 1974 e a formulação da Constituição da República Portuguesa. Esse período correspondeu à busca pela democracia e pela conquista dos direitos dos cidadãos. Tendo em vista este período histórico, propôs-se um debate sobre o processo de Regulação da Comunicação, de modo geral, em Portugal. A Tabela 3 demonstra os principais destaques apontados por cada um dos respondentes.
O primeiro a responder foi o R2 ao apontar a necessidade de distinguir, primeiramente, a regulação de regulamentação. Para o respondente, “a regulação trata da fiscalização e de regular os comportamentos; a regulamentação cria normas, e apesar de existir regulamentação no país, nota-se uma incapacidade do Estado desde 25 de abril de 1974 em manter uma fiscalização efetiva e eficaz. Existe regra para tudo, mas o Estado é incapaz de fiscalizar o cumprimento dessas normas”.

O R1 afirma a importância das leis e o fato de conseguir executá-las. Para ele, antes de 25 de abril de 1974, o Código Civil estava bem escrito, porém, depois desse período e com a influência europeia, não houve melhorias nesse documento. Alguns exemplos de transformações ocorridas após a inserção de Portugal na Comunidade Europeia se referem a dois objetivos principais: o exercício à liberdade de expressão e o favorecimento da “livre circulação das ideias e da informação transfronteiras” (Paulino, 2008, p. 166)Ref15. Assim, R1 complementa que “existe uma boa legislação, o problema está na execução e, principalmente, a nível da Comunicação”. R1 cita o exemplo da tentativa de compra da Media CapitalRef18 para a Cofina7 e faz uma crítica: as atenções da mídia se voltam para esse tipo de ação e não para os de segredos de justiça, os quais alega ser um problema notório em Portugal. Afirma-se que a ERC e os sindicatos de jornalistas não atuam sobre isso, embora tenham normas específicas que poderiam ajudar nesse controle. Acredita, também, que os reguladores da comunicação possuem certa dificuldade em perceber onde estão os limites comunicacionais.
R7 concorda com as respostas dos participantes anteriores e acredita que existe de fato a regulação em Portugal, entretanto, a lógica financeira interrompe o processo de efetivação do processo. Segundo Paulino (2008, p. 200)Ref15, “há uma fragilidade estrutural das instituições de comunicação ocasionada em grande parte pelas limitações socioeconômicas”. O respondente critica a aplicação dos reguladores e acredita que eles não a enxergam como um investimento de modo geral, pois acabam prejudicando quem tem menos influência no país: “ou seja, há muito mais regulação para quem tem muito menos poder de influência e há muito menos para quem tem mais poder de influência na sociedade”.
R3 cita a dificuldade do processo de regulação de imigrantes, tendo em vista a norma para acolhimento dessa população e a consequente dificuldade em ter acesso à justiça no país. R1 interrompe e considera a regulação uma inanição: parece que necessitam de um regulador para o próprio regulador. Por fim, o R2 retoma a palavra e salienta o caso da regulação da comunicação ao citar a importância das duas entidades vigentes no país: a ERC ao tratar do controle e supervisão e a ANACOM ao distribuir a comunicação em termos de infraestrutura.
O tema 2 propõe um debate sobre as instituições reguladoras da comunicação conhecidas por eles, tendo em vista que tal atividade naquele país tem como objetivo de assegurar a independência do setor público da Comunicação Social perante o poder político, garantindo a expressão das diversas correntes de opinião. A tabela a seguir, apresenta os destaques deste tema:

O R2 responde que existem duas instituições de regulação da comunicação no país: a ERC e a ANACOM. Afirma, também, que a ERC cria um problema enorme perante o cumprimento de regras, como a da liberdade de expressão, e faz uma crítica sobre a diferença entre liberdade e anarquia, e realça que para ter liberdade precisa ter regras. O que acontece em Portugal é a possibilidade de qualquer um se tornar um órgão noticioso: “daí a dificuldade entre dizer o que que (sic) é Comunicação Social e o que é comunicar socialmente nas redes – são coisas diferentes”. R2 salienta os artigos 37, 38 e 39 do título II da Constituição da República Portuguesa e retoma as regulações inseridas neles: o 37º regula a liberdade de expressão, o 38º a liberdade de imprensa e dos órgãos de comunicação social, e o 39º a regulação da Comunicação Social.
R4 afirma ter outros exemplos sobre esses problemas. Relata os problemas com o Facebook, um ambiente onde não é possível barrar as informações disseminadas e que continuam influenciando os cidadãos portugueses. Cita, como exemplo, a liberdade de expressão, assunto delicado, que não é levado a diante com seriedade pelas organizações e responsáveis, e nem tem punição.
R1 complementa a resposta de R4 e afirma que por não existir um hábito de sanção jurídica, a sociedade irá se surpreender quando ela acontecer e haverá o questionamento do porquê as sanções não terem sido efetivadas anteriormente, mesmo existindo a legislação.
O tema 3, apresentado na Tabela 5, propõe a discussão sobre qual a opinião da sociedade portuguesa em relação a Regulação da Comunicação.

O R2 afirma que é inexistente a opinião da sociedade perante a Regulação da Comunicação e a população é muito pouco crítica devido à herança do 25 de abril. Diz que existe um certo medo e resquícios do que “não era pra gente dizer”. R1 concorda com a resposta dada por R2 e complementa dizendo que a população não se importa de ver qualquer informação relacionada a regulação da comunicação. R3 afirma que a população é indiferente, pois sabe que existem queixas, mas que não vê solução para esses problemas, resultando na ideia da ineficácia desse sistema.
R4 acredita que, aos poucos, é possível alcançar a cidadania participativa. Pequenas atitudes podem incentivar os cidadãos a terem autonomia e perderem o medo das autoridades e, assim, tornarem-se mais participativos. R5 vai ao encontro desse pensamento ao afirmar que não acredita que a população pense que a regulação da comunicação seja inexistente, mas que a sociedade não possui uma opinião formada sobre a regulação. Os cidadãos são pouco críticos e são apáticos devido a construção social do país e sua educação.
O tema 4 requer a opinião dos respondentes em relação a importância da Regulação da Comunicação para os cidadãos e os movimentos sociais.

O R7 afirma que é obvio que a regulação da comunicação é importante para os cidadãos e para os movimentos sociais. O destaque dado por R7 corresponde a necessidade de escolher com cautela os meios de comunicação utilizados para se informar. O respondente exemplifica a própria situação: atualiza-se e replica as informações nas redes sociais digitais, a exemplo da página do movimento social que participa no Facebook, porém, essa prática exige prudência pelo fato de alguns leitores se basearem apenas no título da postagem, matéria ou conteúdo e a partir daí tiram suas próprias conclusões, sem ler o restante do conteúdo. As postagens devem ser cautelosamente escritas. Salienta que as pessoas não leem tudo o que é publicado e, muitas vezes, baseiam-se suas opiniões na leitura de poucas linhas. Assim, o movimento social precisa ter cuidado com o que é publicado em suas páginas para que os cidadãos não se enganem com os conteúdos ali disseminados. Essa ideia vai ao encontro do que Weiss (2019)Ref27 acredita ser uma discussão necessária em tempos em que a internet complementa as atividades sociais.
R1 afirma que existem três problemas relacionados a regulamentação da comunicação. O primeiro é a demagogia, que leva o cidadão a acreditar ou construir uma Fake News8. O segundo é entender o que é e, o que não é aceitável na regulação da comunicação. E o terceiro problema está relacionado a comunicação entre as pessoas.
R2 afirma que a regulação da comunicação é importante para os cidadãos. A ERC deve supervisionar os veículos de comunicação, como a televisão, por exemplo, pois o que é veiculado tem grande impacto na vida da população. Segundo a pesquisa Digital News Report (2020)Ref8, quatro em cada cinco portugueses utilizam a televisão como fonte de notícias. Já para os movimentos sociais, o R2 acredita que a regulação não é interessante, pelo fato de poder afetar a liberdade de expressão e criar regras que não devem existir.
A Tabela 7 traz o tema 5 e busca a opinião dos respondentes sobre pontos positivos e negativos da regulação da comunicação.

Aparentemente todos concordam com a regulação da comunicação com algumas ressalvas. R5 responde ser importante a existência da regulação da comunicação, pois na atual situação e sem a existência da entidade, a situação seria ainda pior e desequilibrada em relação a qualidade dos meios de comunicação.
R3 afirma que a temática sobre a questão de neutralidade e emissão de notícias deveriam ser mais discutidas nos cursos de comunicação. R3 cita um exemplo em que uma notícia sobre um arrastão na praia de Carcavelos9 tinha sido totalmente equivocada , pois noticiaram que um grupo de jovens tinha roubado celulares e pertences das pessoas que estavam na praia, mas, na verdade, não aconteceu nenhum arrastão naquela praia no referido dia. A Fake News foi divulgada em diversos noticiários e só depois de um tempo verificaram a informação e constataram que era falsa.
R2 concorda com o aspecto salientado por R3 e retoma que isso tem a ver com interesses econômicos e políticos. Afirma que os meios de comunicação divulgam o que é conveniente para eles. R6 concorda e comenta que as entidades de regulamentação possuem conhecimento sobre essas ações, mas não tomam atitude. R1 retoma a ideia de R2 e afirma que os meios de comunicação não podem transmitir apenas o que interessa.
O tema 6 estimula os participantes a falarem sobre os movimentos sociais que participam e que conhecem em Portugal.

R2 afirma fazer parte da Campanha Linha Vermelha e do movimento social que visa a justiça climática chamado Climáximo. R6 cita o movimento social da Renovação a Mouraria, um movimento que aborda os processos de gentrificação e habitação em Lisboa. Explica que a população possui dificuldades de combater a agressão do capital e da compra imobiliária da região. R1 cita os movimentos contra as minas de lítio, muito comentadas em Portugal, pelo fato de trazerem muitos prejuízos climáticos.
R5 atua em movimentos estudantis e movimento LGBT+. R2 comenta sobre os movimentos que faz parte em prol da habitação: Morar em Lisboa e Vizinhos de Arroios. R4 também se interessa pelos movimentos locais contra as minas de lítio. Por fim, R3 atua em movimentos climáticos e fala sobre a importância das lutas se tornarem conjuntas para que haja uma maior participação e efetivação das propostas.
O tema 7 aborda as estratégias e as ferramentas de comunicação on-line e off-line utilizadas por movimentos sociais em Portugal nos quais há participação dos entrevistados.

O R3 afirma que para ele, infelizmente, a maior inserção do movimento seria no Facebook, porém não explica o seu descontentamento com a rede social digital. R1 afirma que as redes sociais são geralmente gratuitas e disponibilizam ferramentas que podem ter bom um alcance para o movimento. R7 cita que, além das redes sociais digitais, utilizam os newsletters e os podcasts. O respondente 7 cita o movimento Geração à Rasca, que em 2012 alcançou muitos seguidores através das redes sociais digitais, o que hoje não é mais possível por causa dos algoritmos impostos pelo Facebook, que limitaram o alcance das mensagens. Explica que existe um grande controle das redes sociais digitais e os movimentos estão tentando se adaptar como seria o exemplo do Fumaça.pt. Esse movimento lançou podcasts com a intenção de fidelizar os cidadãos e pode contribuir com um pequeno valor para ter vantagens no recebimento de informações do movimento.
R2 interrompe a fala do R7 e diz que no movimento que participa utiliza o Facebook, Twitter e Instagram. Recentemente, a inserção do WhatsApp como ferramenta de comunicação na freguesia de Arroios possibilitou que informações em tempo real fossem disseminadas e impedissem assaltos na região. Ao alertarem a população sobre as ações criminosas, as pessoas ficaram mais cautelosas e acredita-se ter evitado novos crimes. R5 cita o Twitter, Instagram, Facebook, LinkedIn e Newsletter. Em relação aos canais de vídeo utilizados, o respondente menciona o Vimeo e Youtube. O Flickr é utilizado para fotografias. Podcasts, WhatsApp, Signal, Telegram também são outras opções. E, por fim, para webinar cita o Zoom, Jitsi e Skype.
O R6 afirma que os meios de comunicação utilizados já foram citados, mas que para o bom funcionamento do movimento social é necessário possuir estratégias de continuidade e fidelização.
O tema 8 propõe a continuidade da discussão sobre comunicação on-line pelos movimentos sociais. Foi perguntado se as ferramentas digitais citadas no tema anterior poderiam aumentar a visibilidade e o alcance das ações propostas pelos movimentos sociais.

Tanto o R6 quanto o R5 responderam que sim. O R2 também concorda e afirma ser a única forma de alcance. Se não fosse a comunicação digital, hoje, não haveria tantos movimentos sociais em Portugal. R4 afirma que é a maneira que o movimento social encontrou para se comunicar, pois os próprios movimentos sociais podem ter, dirigir e disseminar os materiais que tiverem interesse através das redes sociais digitais.
R3 concorda, mas com a ressalva de que o encontro face a face é importantíssimo, bem como a necessidade de conhecer o outro e discutir as propostas. Não é possível ficar apenas inseridos nas redes sociais digitais.
O tema 9 versa sobre o ativismo e quais as dificuldades enfrentadas em Portugal.

R2 afirma que os problemas enfrentados em Portugal são iguais aos de outros lugares. Os ativistas não possuem um espaço próprio e precisam recorrer a locais públicos e universidades. A dificuldade financeira seria outra barreia enfrentada pelos movimentos sociais e, por isso, devem criar maneiras baratas de disseminar as informações e criar uma rede de pessoas.
O R7 vai ao encontro da resposta de R2 e complementa dizendo os estereótipos ligados aos movimentos sociais prejudicam suas ações. O respondente exemplifica: “se um cidadão vai a uma associação LGBT, a sociedade acredita que ele é LGBT”; “se uma mulher vai à uma marcha feminista, são mulheres que usam pelos”. Existem muitas barreiras aos movimentos sociais e elas são difíceis de serem quebradas por causa de estereótipos.
R4 diz que o ativismo precisa fazer parte do dia a dia de quem faz ativismo. E quando isso não acontece, a principal consequência seria a desfragmentação do movimento social. R5 concorda e acrescenta o fator financeiro como um problema para o ativismo, afinal, os cidadãos precisam ter recursos para pagar as contas no final do mês. Já R3 afirma a necessidade de as lutas sociais estarem entrecruzadas para que os movimentos sociais ganhem força e os esforços sejam recompensados. Não deve existir a diferença entre a questão x ou y, embora relate que isso aconteça muito no país. R2 concorda e diz que as ações conjuntas são fundamentais e isso explica a fraca mobilização dos movimentos sociais, pois “as pessoas necessitam de tempo e de dinheiro, e quando se anda à procura de comida ou dinheiro para sobreviver, não há capacidade para pensar e nem tempo para pensar noutras coisas”.
O último tema abre espaço para os participantes falarem sobre algum assunto que não foi contemplado pelas questões/temas anteriores.

R3 questiona os outros respondentes sobre o porquê de o marco histórico de 25 de abril não ser discutido atualmente. R2 responde dizendo que naquela época existiam diversos movimentos sociais produtivos, entretanto, o modelo capitalista destruiu essas iniciativas. Hoje, a luta é recuperar essas perdas do passado. R7 afirma que o individualismo é um problema para os movimentos sociais por incentivar os cidadãos a viver a própria vida e acabam esquecendo das necessidades do outro.
7. Discussões
Finalizada a aplicação do grupo focal, e após a transcrição e análise das respostas e interações dos participantes, foi possível compreender as estratégias de comunicação utilizadas pelos movimentos sociais que contam com a participação dos entrevistados a fim de estimular o envolvimento dos cidadãos: a utilização das redes sociais digitais. Atestou-se que a maioria dos participantes possuíam conhecimento sobre o que é regulação e quais são as entidades reguladoras da comunicação social em Portugal. Notou-se, também, um debate positivo sobre as percepções de cada participante relacionadas às questões definidas para a pesquisa.
Houve discussões sobre a dificuldade da regulação da comunicação e o crescente aumento da desinformação no país. Estima-se que as entidades não possuem o alcance necessário para conter esse avanço e isso se reflete no fato de que qualquer um pode ser um instrumento noticioso. A falta de interesse da população sobre o tema da regulação da comunicação parece ser um problema, pois isso prejudica o desenvolvimento democrático da sociedade portuguesa. Em relação as ações praticadas pelos movimentos sociais, novamente o Facebook é considerado o maior estimulante de ideias e participação dos cidadãos, seguido dos Twitter e Instagram. Outras redes sociais digitais são citadas, mas aparentam não possuírem tanta interferência para os cidadãos.
Especialmente, o tema 4 salienta a necessidade dos responsáveis terem cautela com os conteúdos publicados em suas páginas de redes sociais digitais, para que os cidadãos não se enganem com as informações disponibilizadas e se sintam prejudicados. Tal ideia vai ao encontro do que Weiss (2019)Ref27 acredita ser uma discussão e uma reflexão necessária em tempos em que a internet complementa as atividades sociais, contemplando, principalmente, assuntos relacionados à vigilância e à privacidade.
Assim como Costa e Silva et al. (2011)Ref5, as respostas dos participantes do grupo focal postulam que a regulação dos meios de comunicação não acompanha as mudanças sociais, econômicas e culturais da sociedade portuguesa. Viegas, Belchior e Seiceira (2011)Ref25 afirmam que a participação política é caracterizada pelo funcionamento da democracia em prol dos interesses dos cidadãos na sociedade, mas que diversas vezes, não alcança o tempo e os esforços dos cidadãos. Isso é evidenciado no tema 9, o qual discute o ativismo e as dificuldades enfrentadas em Portugal. Os participantes apontaram que os ativistas não possuem um espaço e um apoio financeiro correspondentes às necessidades de um movimento social, e isso dificulta a participação dos cidadãos.
8. Considerações finais
Após a reflexão sobre a forma que os meios de comunicação disponibilizam espaços para a participação de ativistas e de movimentos sociais, foi possível identificar a existência de mecanismos de participação e de visibilidade proporcionados aos ativistas pelo sistema midiático português através da realização do grupo focal proposto. O principal meio utilizado se refere à rede social digital Facebook. Durante a realização da metodologia, nota-se também a importância da atuação da ERC em Portugal devido à recorrência da entidade durante as falas dos ativistas e cidadãos. Pelo fato de estar inserida na Constituição da República Portuguesa, a regulação da comunicação torna-se algo naturalizado e parece não ser debatida com frequência pela sociedade.
A partir do referencial teórico utilizado e das percepções acerca da atuação dos movimentos sociais em Portugal, sugere-se que a regulação a comunicação representa um possível amparo para a atuação dos movimentos sociais, desde que seja mais difundida, afinal, ela não representa nenhum obstáculo. Pelo contrário: prevê a participação e o acesso da sociedade aos diversos meios de comunicação.
Com isso, os resultados do grupo focal e as perspectivas teóricas adotadas neste estudo indicam que, nas últimas décadas, ocorre uma queda na participação de ativistas e cidadãos portugueses que estão em contato com movimentos sociais (Costa e Silva et al., 2011)Ref5. Tal situação sugere que a baixa participação político-social acarreta dificuldades para os movimentos sociais, assim como já fora previsto por Viegas, Belchior e Seiceira (2011)Ref25. Um aspecto de destaque encontrado na investigação corresponde a frequente utilização do Facebook como um meio de comunicação entre os integrantes e os adeptos às lutas dos movimentos sociais.
Os meios de comunicação, apesar de usufruírem da regulação da comunicação social portuguesa, não dão suporte ou espaço para os ativistas, prejudicando a visibilidade e a opinião pública sobre os movimentos sociais portugueses. O desenvolvimento da internet salienta a importância de se atentar com temas sobre “vigilância, privacidade, direito de propriedade, governança e capacidades técnicas e humanas para lidar com grandes volumes de dados e informações” (Weiss, 2019, p. 211)Ref27, assim como citado no grupo focal. Os dados coletados na pesquisa qualitativa também indicam que a alternativa encontrada pelos movimentos sociais corresponde a divulgação de suas demandas e suas agendas, bem como com a mobilização de cidadãos via redes sociais digitais.
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1) Este artigo é resultado da pesquisa “Atuação dos movimentos sociais em Portugal e o uso dos meios de comunicação: possibilidades e desafios da regulação da comunicação” da bolsista Ana Carolina Trindade realizada durante o Estágio de Pesquisa no Exterior – BEPE/FAPESP, processo nº 2019/12815-5, sob supervisão da Prof.ª Dr.ª Isabel Ferin Cunha na Universidade Nova de Lisboa, Portugal. Ao encontro disso, Caroline Kraus Luvizotto realizou Estágio de Pós-Doutoramento na mesma época da realização da pesquisa, processo nº 2019/16693-1 e intitulada “Participação política e social na sociedade midiatizada: análise da relação entre comunicação, cidadania e movimentos sociais em Portugal”, também sob supervisão da Prof.ª Dr.ª Isabel Ferin Cunha na Universidade Nova de Lisboa, Portugal.
2) Os meios de comunicação hegemônicos correspondem à imprensa tradicional que praticam o oligopólio, a propriedade cruzada e não apresentam formas democráticas de regulação, tornando-se a única forma de transmissão de conteúdo para a sociedade (Lima, 2011).
3) O ICNOVA recebeu a pesquisadora de estágio de pesquisa no exterior, modalidade de Mestrado, durante o período de 02 de janeiro de 2020 até 20 de março de 2020.
4) Detém-se, especialmente neste estudo, à Regulação da Comunicação inserida no capítulo da Comunicação Social de Portugal, pelo fato de ser o tema da pesquisa realizada naquele país.
5) https://www.erc.pt/
6) Os movimentos Indignados Lisboa e Que se Like a Troika são exemplos deste movimento social contra a política de austeridade praticada em Portugal em 2010. Esses movimentos costumam possuir intuitos amplos e diversificados através de um apelo para uma maior participação democrática e cívica. (Simões y Campos, 2016).
7) Cofina desiste da OPA sobre a Media Capital em 2021. (REDAÇÃO, 2021).
8) Nesse contexto, a demagogia pode ser entendida como uma conotação pejorativa ligada à manipulação e, assim, a Fake News seria uma ferramenta utilizada pelos demagogos para alcançar determinado objetivo.
9) A notícia sobre o arrastão em Carcavelos afirmava que um grupo de aproximadamente quarenta pessoas assaltaram e agrediram banhistas em 2005. Entretanto, o arrastão não aconteceu e a falsa notícia foi amplamente disponibilizada pelos meios de comunicação da época. A história completa pode ser conferida no documentário Era uma vez um arrastão (2005).
Trindade, Ana Carolina
Ana Carolina Trindade é mestra e doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da UNESP, com período de estágio de mestrado na Universidade Nova de Lisboa (Portugal). Membro do Grupo de Pesquisa Comunicação Midiática e Movimentos Sociais (ComMov). Bolsista de doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP, processo nº 2021/05888-6.
Kraus Luvizotto, Caroline
Caroline Kraus Luvizotto é doutora em Ciências Sociais pela Unesp, com pós-doutorado pela Universidade Nova de Lisboa. Docente permanente do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UNESP. Líder do Grupo de Pesquisa Comunicação Midiática e Movimentos Sociais (ComMov).